“O universal é o local sem paredes.” (Miguel Torga) "Escrever é um ato de liberdade." (Antônio Callado) "Embora nem todo filho da puta seja censor,todo censor é filho da puta." (Julio Saraiva)

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

ELEGIA DE JUNHO

luar enjaulado

tua ausência

minha vida

por um fio


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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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sexta-feira, 18 de novembro de 2011

POIS É, MENINO JÚLIO

cansei de respirar o ar podre
dessas manhãs
todas sempre iguais

cansei dessas madrugadas inúteis
que não me levaram a canto algum
quando olho meu rosto no espelho
descubro como estou mais velho
: sou o retrato de dorian gray ao contrário

a cada dia que passa constato
que meu destino será o mesmo
de antero
sylvia plath
torquato neto
ana cristina cesar

só não defini como vou fazer
há que se ter critério e cuidado
até nisso

fumo... olho os livros mudos
nas prateleiras
eles me olham com olhos cúmplices
meus livros...

penso nas mulheres que cruzaram
meu caminho
o que as pessoas vão fazer
pensar ou dizer de mim
foda-se

só não digam que fui bom

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quinta-feira, 17 de novembro de 2011

3 POEMAS SOBRE O MESMO TEMA

1.


desde de criança eu fabricava sonhos
sonhos de todas as marcas
fiz-me adulto e continuei a fabricar sonhos
mas por não saber nadar
morri afogado nos sonhos
e tornei-me um pesadelo à deriva

2.

a noiva que habitava os meus sonhos
hoje é uma sombra condenada a mofar
na solidão de um porto estrangeiro

3.

teu beijo de areia
ficou arquivado
na memória do porto

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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terça-feira, 18 de outubro de 2011

POEMA DA ESPERA

"Quando um apetite maligno impelia-me para os
     amores mortais, eu exaltava a vida.
Agora que considero, eu também , o amor como uma
     garantia da espécie, tenho em vista a morte."
- Ungaretti, em seu poema Lucca, com tradução de Sergio Vax -


aos vinte anos quando os sonhos são permitidos
- não importa o teor - todo mundo é poeta
até eu já fui
olhar de mulher - qualquer mulher me fascinava
chego aos 55 numa  contagem regressiva dos meus dias
dos meus anos vividos
aí já é princípio de loucura
aos 70 - talvez tenha sido drummond quem disse isso
e descaradamente surrupio seu verso é senilidade
tenho quinze ainda pela frente
vou com paciência arranjando as malas para a última viagem
só se é jovem mesmo aos vinte anos
releio a mim e aos poetas que aprendi a gostar
o resto é pura perda de tempo
é hora de começar irrigar a morte
com as minhas palavras
com o sangue que deixei nas madrugadas
com os luares que não enxergo mais
mas um dia afinal achei que os poemas eram todos
feitos de luares imensos e gemidos loucos nos leitos de amor
acontece que eu tinha só 20 anos
e os trens que eu me punha a esperar nas gares
partiram todos
para onde não sei - mas me lembro da passageira imaginária
que me disse até breve com um adeus bonito
nas mãos muito brancas
nos meus barcos de papel também não acredito mais
devem ter naufragado todos
e triste percebo que o único sobrevivente sou eu
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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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segunda-feira, 3 de outubro de 2011

QUASE UM TESTAMENTO OU A PENÚLTIMA CARTA DO DESESPERO

Lendo os poemas do livro Babel, de Álvaro Alves de Faria.


"Não se salva o mundo nem o poema
nessas línguas que cortam a frase na mudez do grito."
Álvaro Alves de Faria


há uma mulher que talvez me ame
escondida numa cidade qualquer do meu país
não sei no entanto se terei tempo de ama-la
ou mesmo conhece-la
não a quero vítima da minha inquietação doente
se eu ao menos soubesse seu nome
ou endereço de parente próximo
escrevia pedindo-lhe que me esquecesse
seria bom que ela soubesse que tenho as malas feitas
basta um gole qualquer de coragem

há uma mulher que talvez me ame
mas eu não quero que ela siga o meu caminho
meus dias ficaram mais curtos - e isto me dá mais alívio
cansei das palavras que anos a fio me perseguiram
fartei-me de construir versos
de ler poetas que não me levaram a nada
todos só sabiam mentir como eu
drummond
bandeira
hilda
torga
o'neill
sophia
ana cristina
maiakóvski
ungaretti - iluminado de imenso na escuridão de seu porto insepulto
akhamátova - diante de um ícone a chorar seus mortos na sibéria
cecília orides fontel
mesmo gullar que eu quis imitar um dia
mas faltou-me talento
só nas minhas incontáveis e terríveis bebedeiras que me expuseram ao ridículo nas ruas
me pareci com vinícius
no mais não tive jeito para amar
formas/sílabas/rimas  - nada disso me interessa mais
tenho corredores imensos a percorrer
vou terminar no mesmo labirinto  -  sei disso
e levar comigo o peso dos meus dias
do meu tempo
pai e mãe mortos
amores perdidos
: peço perdão a todas as mulheres que se deitaram comigo
peço perdão pelas minhas mentiras
pelo meu lado imundo de homem
meus amigos todos desapareceram como numa fita sem final
muito remorso levo comigo
e também uma moeda no bolso para pagar a travessia ao barqueiro

há uma mulher que talvez me ame
sem pedir qualquer ternura em troca
sem esperar que eu lhe dê sequer uma jóia barata
sem se importar que eu lhe falte com a verdade
ou lhe escreva os poemas que não sei fazer mais
arrependimento também não me pede
só manda dizer que eu tranque as minhas culpas na varanda
e guarde o copo de veneno que tenho sobre o criado-mudo
para o 5° domingo depois de pentecostes

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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terça-feira, 20 de setembro de 2011

REDAÇÃO

"Não acorde o menino."
Drummond, no poema Infância.


Para Carlos Drummond de Andrade, com respeito.




minha mãe tinha ternuras antigas nos lábios
meu pai ensinava matemática
eu nunca aprendi a prova dos nove

mas na esquina da minha rua
que se chamava antônio bento
o bonde fazia seu ponto final
o motorneiro se chamava manolo
usava boné na cabeça - no pé não podia usar

 ele era espanhol e falava em política com meu avô
que era português
eu que não sabia política
apenas sonhava....

um dia tiraram os bondes da minha rua
manolo foi embora
carregando franco nas costas
e eu me apaixonei por thais
um dia ela também foi embora
me trocou por menino bonito
meu avõ português morreu debaixo de um caminhão
eu vi
e por thais e por meu avô
na falta de coisa mais importante
virei poeta

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Júlio Saraiva,
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sexta-feira, 16 de setembro de 2011

SOB A PEDRA DO SOL

"Acredito na salvação da humanidade,
no futuro do cianureto."
- Cioran -

sob a pedra do sol
o poema se decompõe
as casas se decompõem
as sombras se decompõem
as sobras se decompõem

sob a pedra do sol
as pedras dos meus dias podres
apodrecem também
as pedras dos vossos dias podres
apodrecem também
as paixões pichadas nas paredes
apodrecem também

sob a pedra do sol
espalhamos pavor e pânico
em anônimas cartas de condolências
timbradas com o fel do nosso ódio
e enviadas ao inimigo morto
com dez anos de atraso

sob a pedra do sol
todas as cores fazem escuro
fazem escuro
fazem escuro
todas as cores fazem escuro

sob a pedra do sol
cada vez mais longe da eternidade
toda decadência é bela

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quarta-feira, 14 de setembro de 2011

POEMA PORTUGUÊS

Ao Poeta Xavier Zarco, meu amigo


vejo-te num café qualquer de coimbra
a conversar com pascoaes e o'neill
mas só as águas do mondego
as paredes do mosteiro de santa clara
e inês de castro envolta em seu xaile
podem escutar o que conversam
eu cá tão distante tento apenas adivinhar
falam do amor e da morte
talvez das viúvas e dos órfãos
falam também de um relógio imaginário
que ao tempo nunca obedeceu

penso que o mundo parou de girar de repente
e as notícias que os jornais tinham prontas
ficaram dois séculos mais velhas
a verdade amigo é que estamos todos mortos
e distraídos não percebemos e continuamos aqui
à mercê do vinho e da poesia
objectos de palavras inúteis que mendigamos
como côdeas de pão amanhecido

à tua frente o'neill está a rir-se
como a debochar do silêncio que cruza
o arco da almedina
à semelhança de uma pomba atordoada
que parece voar sem rumo
uma mulher que não fazia parte do poema surge
aproxima-se de pascoaes e o beija
"Com uns lábios que a terra já desfez." (*)


Madrugada de 14-09-11

(*) Verso do Poema Idílio, de Teixeira Pascoaes

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Júlio Saraiva,
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terça-feira, 13 de setembro de 2011

CRÔNICA POLICIAL

quarenta minutos antes do casamento
a noiva colocou ponto final à vida
trancada no banheiro do apartamento
misturou chá de cidreira com formicida
pos seu vestido branco também grinalda e véu
enquanto escutava o Bolero, de ravel

mas não deixou bilhete a explicar seu gesto
a xícara vazia a lata de veneno
em cujo conteúdo só ficara um resto
não havia palidez no rosto moreno
e jazia em paz sobre o frio azulejo
com a boca vermelha a implorar um beijo

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Júlio Saraiva,
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domingo, 11 de setembro de 2011

O PENÚLTIMO POEMA OU SE UM DIA A SAUDADE TE ENCHER

se eu soubesse inglês palavra que te faria
um poema bem ao estilo de sylvia plath
e depois me matava com gás de cozinha
mas acontece que não sei inglês
perdi muito tempo exigindo liberdade ao meu país
fiz algazarra nas ruas
panfletava de segunda à sexta
deixando os sábados livres para morrer de amor
os domingos não existiam porque a ressaca não permitia

viajar mesmo só viajei nos meus poemas
e com eles aprendi a rezar o latim dos amantes
também fui feliz descobrindo poetas
sempre tive preferência por aqueles que cagaram para a vida
mas eu nunca soube inglês
fiz-me um homem limitado
perdi também o meu tempo acreditando nas estrelas
sem no entanto ouvi-las como bilac
(sempre fui meio surdo)
mas consegui compreender o movimento das marés
que hoje machucam os meus olhos

não tenho mais tempo para saber inglês
e também não vou escrever nenhum poema que lembre sylvia plath
sylvia plath não me interessa mais
eu vou minha poesia fica
como este barco à deriva no mar sem fúria que construí
deixo-te o meu poema que não veio
deixo-te a metade do meu sorriso que perdi num ocaso qualquer
fica contigo toda a minha poesia
faz dela bom uso
se por acaso algum dia a saudade te encher

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Júlio Saraiva,
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quinta-feira, 8 de setembro de 2011

VARIAÇÕES SOBRE O MESMO SONETO

I

esta pálida luz do teu silêncio
habita os corredores da memória
vai cortando o tempo ao meio e vence o
velho era-uma-vez de toda história

e tudo o que já fomos agora dói
feridas que não cicatrizam nunca
a maldição a caminhar adunca
esta traça que aos bocados nos corrói

assim nos morrem todos os assuntos
tal como nós também morremos juntos
a ambição do nada é o que nos resta

nada nada nada mil vezes nada
comemos das sobras do que foi festa
até que cesse enfim a caminhada

II

as árvores devoraram as datas
sobraram apenas dos tempos idos
velhos vestidos mofadas gravatas
além dos livros que não foram lidos

também fazemos parte das sucatas
como possessos fora dos sentidos
não damos conta das mais insensatas
frases que ferem os nossos ouvidos

não nos dói mais a velha chaga exposta...
no meio da sala já quase sem luz
a tua sombra na minha se encosta

eis enfim a pena a que fizemos jus
por terra cai a derradeira aposta
tudo em nós é morte tudo em nós é cruz

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Júlio Saraiva,
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sábado, 3 de setembro de 2011

IMPROVISO

"Eu sou Júlio Saraiva,
Animal de muita fama,
Que corre tanto no seco,
Como na vargem de lama,
Mas quando marido chega,
Me escondo embaixo da cama."


Com a devida licença de Paulo Vanzoline


de juízo muito pouco
fui vergonha da família
predestinado a ser louco
não fiz filho não fiz filha
se fosse padre o meu troco
eu dava na homilia
não sou de briga com soco
só brigo na redondilha

com metro e sessenta e quatro
nunca corri de gigante
se a vida é um teatro
aplauso tenho bastante
bravo mas de fino trato
na cama sou bom amante
ao fim do primeiro ato
entro logo no adiante

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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CANÇÂO DA CASA TRISTE

minha casa é triste mas tão triste
que até a tristeza passa longe dela
além de mim e dos meus livros
só o vazio habita nela
a moça que na casa havia
fugiu levando a janela
o currupião que cantava
de tédio se estrangulou
meu resto de alegria
a chuva brava levou

minha casa é pobre mas tão pobre
que são francisco de assis
ao ver tamanha pobreza
olhou seu roto burel
achou que era traje de riqueza
e pediu perdão a deus do céu

minha casa é pequena mas tão pequena
que a pequenez viu-se grande
bem maior do que um gigante
e sentiu tamanha agonia
ao perceber que na minha casa
sua pequenez mal cabia

minha casa é triste mas tão triste
minha casa é pobre mas tão pobre
minha casa é pequena mas tão pequena
que eu nem sei mais se ela existe
porque sua pouca existência
é esta toda que me cobre
é esta que me envenena

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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sexta-feira, 2 de setembro de 2011

2 POEMAS RELÂMPAGOS

NOVA CARTILHA

onde ivo
via
a uva
hoje ovídeo

o vídeo

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CARTAZ PARA O DIA DOS NAMORADOS

amor é rasgo
amor é risco
amor é sempre
o mesmo disco

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Júlio Saraiva,
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sábado, 20 de agosto de 2011

SONETO DE CRISTIANE

teus olhos me falam todas as luzes
e teus passos guiam os meus caminhos
afastas o peso das minhas cruzes
com o leve roçar dos teus carinhos

e assim se eu me perco tu me conduzes
não vou no rastro dos que vão sozinhos
enfrento as balas de mil arcabuzes
se tenho teu beijo esqueço dos vinhos

se nos meus olhos havia neblina
vai-se num átimo toda cegueira
o velho que sou curva-se à menina

o mundo meu bem de vez que se dane
que sejas minha pela vida inteira
o resto se ajeita cris  -  cristiane

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Júlio Saraiva,
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quinta-feira, 18 de agosto de 2011

CARTA, QUASE POEMA PARA ANTÓNIA RUIVO, MINHA AMIGA

hoje
e bem hoje amiga
eu não devia escrever nada
mas falta-me o sono
palavra que tenho não vale o poema
e a voz se me vem
sai engasgada
porém acho guardados nas prateleiras
os poetas que mais gosto
passam por mim drummond e bandeira
passa a sophia
com aqueles olhos tão lindos
que por si só já eram poesia
passa a alegria
passa o vinícius
passa o o'neill
ambos imersos em bebedeiras
e passa o torga
e o quintana vem
passa a cecília
passa o gullar
tu passas e a madrugada já vem
só eu nesta vida
é que não passo meu bem

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Júlio Saraiva,
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A MORTE POR ATAQUE DE DESUSO

trago no bolso de uma calça velha
num guardanapo de papel anotações
para um poema só com palavras mortas
vítimas de ataque de desuso

não sei quando e nem se vou terminar o poema
no entanto todas as madrugadas
levanto-me e vou ao cemitério dos alfarrábios
chorar lágrimas de letras por essas palavras mortas
vítimas de ataque de desuso

toda vez que choro essas palavras mortas
sinto que elas me acenam com mãos de condolências
e eu digo que sinto muito mas deixo como garantia
minha palavra  -  o poema qualquer dia sai

trago no bolso de trás de uma calça velha
num guardanapo de papel anotações
com palavras antigas que amanhã ou depois
me vão matar também e eu não vou poder fazer nada
a não ser morrer calado por ataque de desuso

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Júlio Saraiva,
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segunda-feira, 25 de julho de 2011

POEMA DE CONDÃO

crias girassóis em torno da casa imaginária
imaginários também são os animais da casa
assim como imaginária é a vida por aqui
imaginário só não é o ar que respiramos

inventamos uma porção de dias felizes
mas não devemos gastá-los todos
porque amanhã no pé em que as coisas vão
por certo vamos precisar deles  - nunca se sabe
é sempre bom estocar um pouco de dias felizes

agora sim podemos caminhar de mãos dadas
pelo jardim da casa onde plantas e pássaros nos esperam
tu me emprestas um pouco do teu sorriso
com o teu sorriso sinto-me mais à vontade

pois então recomecemos a nossa história
na nossa história nada era uma vez
porque na nossa história o tempo não existe

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Júlio Saraiva,
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sábado, 23 de julho de 2011

PEQUENA CANÇÃO PARA UMA GRANDE AUSÊNCIA

tua ausência dorme no bolso de um colete cinza-inverno
esquecido na gaveta do meu guarda-roupa
nunca usei colete e mesmo que quisesse usar
este que abriga a tua ausência não me serve mais
eu bem podia livrar-me dele
dá-lo a qualquer um desses homens que vivem na rua
ou mesmo atirá-lo ao lixo
mas se o fizesse o que seria da tua ausência?

todas as manhãs quando abro a gaveta
lá está o colete cinza-inverno
lá está a tua ausência encolhida a exigir
de mim o remorso que não sinto
sofro de gostar de sofrer
e isto é mal que dizem não tem cura
a única solução seria estrangular a memória
mas ainda assim não sei se daria certo

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Júlio Saraiva,
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sexta-feira, 22 de julho de 2011

ORAÇÃO PARA IANSÃ EM FORMA DE POEMA

ó senhora dos raios
da tempestade dos ventos
escutai minha prece
espantai meus lamentos

ó minha linda guerreira
olhai por mim cá na terra
emprestai-me a vossa espada
e o vosso grito de guerra

ó favorita de xangô
guardai-me sou filho de fé
vou dou um leque de penas
e um prato de acarajé

ó minha oiá matamba
ó iansã epahê!
quando eu me for pra aruanda
peço-vos me receber

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Júlio Saraiva,
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quinta-feira, 21 de julho de 2011

DAS ARMAS







O POETA PERDE A BATALHA MAS NÃO PERDE O POEMA


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Júlio Saraiva,
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SONETO PARA OSCAR NIEMEYER

faz muito tempo te queria escrever
talvez na data do teu centenário
mas meu verso anda tão ordinário
que me coloca muito irritado ao ler

porém aqui vai sem régua e compasso
habilidade é o que mais me falta
perdoa se não sei fazer um traço
e nem minha poesia ser tão alta

aceita  oscar este meu soneto
juro não vou rimar branco com preto
a dizer pouco melhor dizer nada

sou só um cantor pobre de coreto
de alma tão suja toda embriagada
a saudar-te oscar  -  velho CAMARADA!

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Júlio Saraiva,
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quarta-feira, 20 de julho de 2011

DIES IRAE

do meu quarto todas as noites
eu ouvia meu pai gemer as dores do câncer
era um gemido comprido comprido
que parecia não acabar nunca
era um quase canto gregoriano
era um quase ofício de trevas

naqueles dias de agonia
a casa toda tinha olhos de extrema-unção
e cada móvel e cada quadro e cada objeto
era um sacerdote antigo e magro com seu breviário em latim
sempre sempre a recitar o Dies Irae
a casa toda era o próprio Juízo Final de michelangelo

quando levaram meu pai ao hospital
apenas para cumprir o exercício de morrer
toda liturgia foi embora com ele
e a casa voltou a ter seus olhos de casa
os móveis os quadros os objetos
voltaram à natureza comum de móveis quadros objetos
só os versos do Dies Irae continuaram a martelar nos meus ouvidos

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Júlio Saraiva,
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PERIQUITO SEM ASAS

na contramão dos meus olhos
caminha uma mulher estupidamente bela
que jurou matar-me um dia
e disso não duvido  -  nunca duvidei
por isso evito sonhar quando ela está por perto

em sonho também se mata
em sonho também se morre
dependendo do azul que o sonho oferece
prefiro o horror do pesadelo

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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segunda-feira, 18 de julho de 2011

MINHA MORTE

minha morte me ama
minha morte me deseja
minha morte está sempre
a me esperar na esquina
com ares de puta
e braçadas de flores brancas
por isso não reclamo
do fel de cada dia que me dão
nem fujo do inimigo
que me quer à traição
e me oferece um sorriso de faca afiada
minha morte é meu escudo
minha morte é minha espada
minha morte é meu orixá
exu fêmea na encruzilhada
pronta pra me defender

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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sábado, 2 de julho de 2011

BALADA MUITO ANTIGA

ai sofro de sofrer tanto
que até o sofrer me distrai
meu riso vem do meu pranto
soluço vira acalanto
silêncio vira estribilho
tristeza é mulher que me atrai
no fundo sou sempre o filho
na noite à procura do pai

ai sofro de sofrer tanto...

caminho que nunca trilho
dor que finge ir mas não vai
parto não deixo rastilho
minha sombra nunca me trai
não maldigo o desencanto
não rezo não tenho santo
se o dedo aperta o gatilho
corpo tomba sombra não cai

no fundo sou sempre o filho
na noite à procura do pai

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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sábado, 25 de junho de 2011

ALEXANDRE O'NEILL, O PENITENTE



- para o próprio o'neill, com carinho
e respeito, dedico

deu-se que o poeta o'neill estava morto
não lhe deram nada em vida
mas morto no frio da morgue
estava bem quieto
como se nos mandassem a todos
à casa do caralho

era um morto qualquer
como qualquer mais um morto
mas um morto diferente
a perturbar o reino dos céus

na sua condição de morto
alexandre não estava morto
apenas pediu um cigarro
um gole mais de bebida
e disse não para os anjos

puta que me pariu
junto com seus amigos
junto com seus demónios
o poeta preferiu o inferno

júlio saraiva,
S.Paulo – Brasil

NOTA: Poema nas vozes do Animador da Palavra, eduardo roseira e José Mário Roseira, que também fez o filme

quinta-feira, 16 de junho de 2011

A SEGUNDA CANÇÃO DE EXÍLIO

"Eu também já fui brasileiro
moreno como vocês.
Ponteei viola, guiei forde
e aprendi na mesa dos bares
que o nacionalismo é uma virtude."

- Carlos Drummond de Andrade -

também vim ao mundo carlos para ser gauche
daí este meu jeito triste
daí esta minha sina de sempre exilado
daí este meu beber sem limite
daí este meu vestir sem cuidado

mas eu também já fui brasileiro
tive sonhos de revolução
mas minha coragem carlos
nunca passou das mesas dos bares
sórdidos que frequentei
onde fui aos poucos deixando
alguns anos da minha vida

mas cansado de tanto morrer
dei agora de esconder-me de mim
isto provavelmente carlos
deve ser o prenúncio do fim

carlos mesmo sem ter dinheiro
eu também já fui brasileiro

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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CANÇÃO PARA ADÉLIA PRADO

Adélia, empresta-me um pouco
Teus olhos muito vivos
E teus cabelos brancos desgrenhados
Pra que eu me lave todo
Da sujeira dos meus pecados.

Adélia, empresta-me um poema,
Que eu aqui me vou tão velho.
Empresta-me um pouco da tua igreja,
Do contrário no céu eu não entro.
Dá-me tuas mãos, Adélia,
Cheirando a verso e coentro.

Dá-me um toque de sinos
E tua pureza de anjo.
Dá-me um dedo de poesia
Depois, por mim mesmo, me arranjo.

Empresta-me o fogo doido,
Que arranca o pecado do mundo.
Empresta-me teus santos altares
Pra que eu volte à meninice,
Quando ainda eu cria nos santos.

(Só não briga comigo não, Dona Doida,
Que a vida não me dá mais encantos.
Não demora me vai em segundos,
Náufraga em meu mar de prantos.)

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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FATAL

Os moços tão bonitos me doem,
impertinentes como limões novos.
Eu pareço uma atriz em decadência,
mas, como sei disso, o que sou
é uma mulher com um radar poderoso.
Por isso, quando eles não me vêem
como se dissessem: acomoda-te no teu galho,
eu penso: bonitos como potros. Não me servem.
Vou esperando que ganhem indecisão.E espero.
Quando cuidam que não,
estão todos no meu bolso.

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Adélia Prado,
Divinópolis, Minas Gerais, Brasil
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MEU VERSO

"Meu verso é minha cachaça."
- Carlos Drummond de Andrade -


meu verso é capim seco
não há chuva que o console
meu verso brota do esterco
eu o bebo de um só gole

meu verso é feito de urânio
meu verso é feito de urina
meu verso é feito de esperma
meu verso é porrada no crânio
nunca sei onde começa
nunca sei onde termina

meu é de pouco riso
meu verso é melancólico
às vezes pode ser lírico
mas quase sempre etílico
de alto teor alcoólico

meu verso é alma penada
a vagar pelo cemitério
cantiga desafinada
meu verso é um caso sério

meu verso é minha mentira
e assim vai gravando em vídeo
queira ou não queira a lira
imagens do meu suicídio

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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SONETO AUTOBIOGRÁFICO

dentro de mim mora uma tempestade
e dela não pretendo nunca abrir mão
no meu rosto as marcas da antiguidade
na falta de um sim esculpi o meu não

se sou retrato de um caso perdido
é sinal que nunca fugi da luta
derrotado não me dou por vencido
mesmo sendo um grande filho da puta

trago mortes sem fim na bagagem
lançando dados não creio na sorte
vou chutando as pedras do meu caminho

estou pronto pra qualquer viagem
e pouco se me dá se sul ou norte
pois tenho asas sem ser passarinho

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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PRIMEIRA CANÇÃO DE EXÍLIO

Para Estrela Leminski e Téo Ruiz

muito me choca essa coisa
de os poetas morrerem tão cedo
e não é de amor ou tuberculose
mas de overdose da puta desta vida
por isso não gosto dos poemas de amor
evito escreve-los até pra minha amada
quando dorme
por isso vivo quebrando meu pé
ora um ora outro
já não enxergo mais direito
ando na contramão do meu sonho
vou aos comícios de chinelos
fui parar na misericórdia duas vezes
porque não tinha dinheiro pra pagar lugar melhor
não ter dinheiro pra mim é estado de espírito
pra compensar a sopa aguada servida na misericórdia
havia os olhos azuis da enfermeira
que não quis fazer um filho comigo
e não foi falta de insistir
agora olho a rua onde moro
e sinto saudade de mim

:meu tempo é um retrato breve
pregado numa parede qualquer

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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domingo, 12 de junho de 2011

DEBUTANTE

e
toda canção
era
um sonho
de valsa

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quarta-feira, 8 de junho de 2011

POEMA ORIENTAL

mergulhavas nas águas
daquele lago
de vidro
entre carpas douradas

quando te erguias
a fina seda
do vento
protegia
a tua nudez

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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****

a samambaia comia as vigas do teto
mamãe jogava cartas na sala
a banheira
transformada em canteiro
não tirava os olhos de mim
lembrei do teu corpo
engasguei com espuma
e afoguei a ideia de fazer um poema

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quinta-feira, 19 de maio de 2011

CANTOCHÃO

Ou
vós não percebestes
que os caminhos também
envelheceram?

Mas,
se não tiverdes pressa,
podereis escutar o
canto liso,
contido no breviário
das águas,
que, ao ocaso, os
barcos entoam
de memória.

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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terça-feira, 17 de maio de 2011

ORAÇÃO PARA NÃO ESQUECER VICTOR JARA

se não me cortarem a voz juro dizer algumas palavras
se não me cortarem a voz juro dizer algumas
se não me cortarem a voz juro dizer
se não me cortarem a voz juro
se não me cortarem a voz
se não me cortarem a
se não me cortarem
se não me
se não
se

etc... etc...

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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AZULEJO

crio um azulejo
para dar cor ao meu poema
um azulejo qualquer
e o poema me vem exausto
como uma lâmpada que cansou de sua luz

crio um azulejo
um qualquer azulejo
que tenha a humildade clara dos teus olhos

crio um azulejo
um qualquer azulejo
que crie um azul-infinito
como o azul do teu beijo

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júlio

sábado, 16 de abril de 2011

EPÍGRAMA FÚNEBRE PARA UM ESCRITURÁRIO

viveu ser-
vil
entre o quin-
quênio
& a licença-
prêmio

agora
duas vezes apo-
sentado
não parte só
leva consigo
por-favor-pois-não
muito obrigado
mais a gravata
&
o paletó

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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sexta-feira, 15 de abril de 2011

RETRATO

pareço-me comigo cada vez menos


15-04-1
 



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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quinta-feira, 14 de abril de 2011

SONETO ATORMENTADO

navegam em mim barcos assustados
não sei de quantos naufrágios vieram
e nem como foram dar onde deram
guiados por ventos atormentados

ao leme seus capitães são fantasmas
tristes pois já não sabem mais assombrar
e têm as órbitas dos olhos pasmas
porque morrem todos de medo do mar

não bebem não fumam nem jogam cartas
suas mulheres morreram nos portos
pra que tanta não fosse a tripulação

os filhos também estão todos mortos
as histórias dantes que eram tão fartas
dormiram pra sempre em cada capitão


14-04-11
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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil 
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POEMA QUALQUER PARA UM DIA QUALQUER

descolorir
o tempo & rasgar
as vestes
que nos tornam o corpo
prisioneiro
de antigas vergonhas

descobrir
os atalhos que nos vão
levar
ao limbo onde dormem
as coisas
sem nenhuma importância


13-04-11

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quarta-feira, 13 de abril de 2011

PEÇA DE ANTIQUÁRIO

o espelho
diz que o meu rosto
está com prazo
de validade vencido

se o espelho
diz
dito está
e não se discute

guardo
os meus dias azuis
numa caixa
de sapatos como se fos-
sem fotografias tiradas
num velho
estúdio de bairro

acontece
que os dias azuis
estão amarelados

percebo
que tenho vocação
para a velhice

resignado
saio a percorrer
antiquários
para saber quanto dão
por um rosto
em bom estado e quase puro

(o espelho deixo como garantia)


13-04-11
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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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segunda-feira, 11 de abril de 2011

DESPEJO

"É uma ordem superior..."
  - Do samba Despejo na Favela, de Adoniran Barbosa -


fogão  fogareiro
geladeira  colchão
papagaio
gaiola  galinha
cachorro   criança
madeira no chão

foto de casamento
lembrança de aparecida
dia santo   folhinha
prato  panela
penico
piolho   piorra
madeira no chão

um poster do time
uma faca sem crime
a ferrugem nos olhos
uma rosa de pano
um maço de velas
madeira no chão

uma lata  um luto
uma lua de lama
relógio parado
carrinho de mão
madeira no chão

madeira no chão
madeira no chão
madeira no chão
madeira no chão
madeira
no
chão

madeira   madeira
conflito  confronto
comando  comício
polícia   polícia
madeira  madeira
madeira caixote
caixote  caixão

um rosário  uma reza
vinte salve-rainhas
salve-se-quem-puder
um tiro  cem tiros
cinco vidas perdidas
um soluço  um silêncio
cinco corpos no chão

chão

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil 
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quarta-feira, 6 de abril de 2011

BOCAGE DO BIXIGA

saudades antigas moram comigo
não sabes o saco que é senti-las
ferem-me os pés  também o umbigo
não perdoam nem minhas axilas

vais de mojito  vou de pinga pura
fígado revira  cabeça explode
deus-nos-acuda já não nos acode
puta-que-pariu! como que se cura

esta dor-de-corno que me põe tão mal?
nanda que sempre me quebrava o galho
tornou-se budista  foi para o nepal

ana se casou com leonel de tal
cris foi morar na casa do caralho
quem disse que saudade não tem plural?

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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*************

o olho triste do boto
deu um salto rosa-choque

a chuva se desmanchou em sombrinhas
a tarde vestiu seu melhor sorriso de noiva
a se arcoirisou ao leste do meu nariz

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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sábado, 2 de abril de 2011

ALGUNS POEMAS DE ROSANGELA BORGES (*)

1.

o olhar verde
daquela menina
despertou em mim
o medo do holocausto

2.

um pássaro
voa
acima dos prédios
ele é todo liberdade
eu não
- ando presa no amor

3.

sapatos na vitrine
calçam
meus sonhos

4.

lágrimas de ácido desmancham
aquela boneca da Estrela
destruída dentro de mim

5.

a saudade inunda
o anoitecer da tua bunda

6.

acordou às cinco. às seis rezou no parque. às dez
enfrentou fila no banco. conformada, voltou ao apar-
tamento, conferindo o dinheiro. quieta, meteu-se em
tarefas domésticas. foi aí que se lembrou de Teresa
de Ávila - a doutora da Igreja, atormentada em suas
reflexões místicas: "Deus está presente até nas pa-
nelas..."
nas panela, ela disse consigo enquanto engolia o almoço
de quiabo com carne.
"Deus está presente até nas panelas..."
tardezinha, escutou confissões atormentadas, deu conse-
lhos. profanou. sentiu vontade de rezar, como de manhã.
mas não voltou ao velho Livro de Horas, cheio de culpas
e arrependimentos, que jazia sobre o criado-mudo.
quis rezar, sim. por isso, foi à estante e apanhou Garcia
Márquez, o seu anjo Gabriel. bebeu frases, imagens, sen-
tiu comichões na alma e compreendeu pela primeira vez a
rigidez da vida extramuros.

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Rosangela Borges,
São Paulo, Brasil, é antropóloga, jornalista e es-
critora. Publicou os livros Axé, Madona Achiropi-
ta - A Presença dos Cultos Afrobrasileiros nas Ce-
lebraçõesCatólicas na Igreja Nossa Senhora Achiropi-
ta (disssertação de mestrado em Ciências da Religião);
Quem Quer Teclar Comigo - Adolescendo na Inter-
net (novela infanto-juvenil ) e O Guardião dos Ven-
tos (poemas). Rosangela vive atualmente em Portugal,
fazendo pós-doutorado na Universidade de Coimbra.

sábado, 26 de março de 2011

BALADA DE KARLA MARIA

não é o sol da hora
do sol do meio-dia
é o sol que me devora
e que me faz poesia
é o sol do meu querer
é o sol do não-queria
é o sol que me adivinha
teu sol karla maria

é o sol do vaticano
que o papa nem sabia
é o sol das seis da tarde
quando bate a ave-maria
é o sol do meu querer
quando na tábua do querer
querer não mais se lia
é a pedra de drummond
que tinha ou havia
é o sol dentro do sol
teu sol karla maria

é a menina da janela
fazendo estrepolia
não sendo mais donzela
fez enganar o dia
me ensinando amar
quando amar eu não sabia
e a me tomar louco
quando em louco
eu todo me perdia
fez o meu ir-não-ir
quando eu não mais podia
mas sem poder enfim
me escondi de mim
em teu sol karla maria

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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MODINHA OU NO CAMINHO DE DRUMMOND

Para Lucinha e Geraldo

eu queimei o tempo
como quem brinca de roda
como quem atira pedras
no telhado do vizinho
eu queimei o tempo

eu me afoguei na lua
astronauta sem vocação
fui procurar são jorge
só encontrei o dragão
eu me afoguei na lua

eu dancei com a dama de paus
num baile de debutantes
mas antes do fim do baile
a dama desencantou
eu dancei com a dama de paus

eu fui poeta aos vinte anos
quando todo mundo é poeta
pensava um sorriso de moça
e a poesia me vinha no ar
eu fui poeta aos vinte anos

eu queimei o tempo
eu me afoguei na lua
eu dancei com a dama de paus
eu fui e fiz tanta coisa meu deus
que hoje me dá pena lembrar

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quinta-feira, 24 de março de 2011

À QUEIMA ROUPA

Para Léo Feltran

deixei de acreditar no circo
quando me contaram que a trapezista
assassinou o palhaço
com um olhar fulminante
no peito

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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SEM LUVAS DE PELICA

Para Kryca Ohana, poeta e agitadora cultural - com afeto

somos de uma geração estranha
que sofria do vício de pensar
tudo era questão de ordem
foder também era um ato político
marx & sartre estavam sempre
presentes no intervalo de uma trepada
mas convenhamos
: che guevara & leila diniz
mesmo depois de mortos foram responsáveis
pelo final de muito caso de amor
tanto que o retrato de guevara feito a carvão
que tenho na parede da sala
me incomoda até hoje

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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sábado, 19 de março de 2011

METAPHYSICA

o ápice

o eclipse

o lápis

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Júlio Saraiva,
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sexta-feira, 11 de março de 2011

NO PARQUE DE MANTOVA

Para Rosangela Borges, minha amiga

no parque de mantova
de onde me envias um sorriso breve
as árvores arrepiadas
e as folhas secas
- porque é inverno -
te saúdam

alguns pássaros que desconheço
provavelmente cantam
em teu louvor

ao longe
um busto esculpido
em bronze
testemunha a tua graça

no brasil amiga é verão
mas dentro de mim faz inverno
tenho a alma gelada
no entanto
sobrevivente das minhas tragédias
resisto

dez/2009
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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quarta-feira, 9 de março de 2011

LADEIRA

1 saco de vazios nas costas
era a única bagagem que eu tinha
coisa pouca    mas pesava tanto
não sei como eu eu suportava
na hora de subir a ladeira
que me levava ao seu portão

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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3 POEMAS

PIQUE

no faz-de-conta
eu era um conde
brincando comigo
de esconde-esconde

*  *  *

EDUCAÇÃO SEXUAL

trepar de luz
apagada
é foda

*  *  *

ANÚNCIO (DES)CLASSIFICADO

procuro um amor
que me fale besteiras
no claro e no escuro
eis o amor que quero
não precisa ser puro
muito menos sincero

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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segunda-feira, 7 de março de 2011

ELEGIA DE CORPO PRESENTE

o guarda-chuva
                       jaz em suas
varetas


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Júlio Saraiva,

São Paulo, Brasil
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segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

FÁBRICA FECHADA

           
             
             barulhos quietos
              
               martelando sempre
    
               sempre na mesma tecla

               silêncio irritado

               
                HOMENS MORTOS TRABALHANDO


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Júlio Saraiva,
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Júlio Saraiva,
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CONSTRUÇÃO

              amálgama

              alma alma
      
              alfagama

              alfama

              alfômega

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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domingo, 13 de fevereiro de 2011

EPÍLOGO

                                
                             a pá      o pó

                       enfim

                          só

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Júlio Saraiva,
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sábado, 12 de fevereiro de 2011

DECLARAÇÃO DE DESAMOR

"Se algum dia lhe perguntarem sobre coisas do coração,
você pode dizer: sim, tem um filho da puta que me ama."

- Wander Piroli -

esconjuro-te
&
juro
pelos mais sagrados nós das
minhas tripas
desamar-te para sempre
ainda que surpreenda
minha sombra
perdida
no meio da noite
atirando maçãs (*)
aos pés
da tua imunda
lembrança

(*) De acordo com o poeta José Paulo Paes, que foi exímio tradutor de poesia
grega, um homem atirar uma maçã aos pés da amada, na Grécia antiga, cor-
respondia a uma das significativas declarações de amor.

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

OUTRO SONETO DO CADERNO DE KARLA


 Ai, minha amada me perdoa
Pois embora ainda te doa
A tristeza que causei:
Eu te suplico, não destruas
Tantas coisas que são tuas
Por um mal que já paguei."

Da canção Apelo,
do poeta Vinícius de Moraes,
com melodia do violonista Baden Powell


quando te ponho na cama de bruço
depois de olhar teus olhos de princesa
e de vez espantar toda a tristeza
e ir-me toda a dor em teu soluço

sou menino de novo a cada orgasmo
amo-te tanto... perco a minha vida
nesta paixão tão cega e desmedida
e sem querer assim vejo-me pasmo

esqueço as tropelias do caminho
desta minha vida tão desregrada
porque vejo-te rosa nunca espinho

mulher amante mãe e namorada
e eu que era louco e tão sozinho
ponho-me a teus pés ó sempre amada

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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Voz de: eduardo roseira
Imagem de: Lenço de Namorado na região do Minho/Portugal (coleção de eduardo roseira)

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

"(parte-)Chão,"













(aqui.)








estaca.
(letrada)sempre-cravada
estaca.


da ata por mapa de ti em linha não-aceita
(palavra.)
à ponta dos casos que se perdem
à lua inteira. caída. e.
aqui..


ruas.
pertencidas, pois de curvas
às rodas tardias por um deslize rompido de contas
e
o
asfalto se torna..
quimera-margem de erro e forma
listagens de cenas(de antes)
cenas servis
à mente
(ao instante)
que trabalha no minuto que precede este fim

tempo. mero-prevenido por busca
por
alivio de ar em. fuga
à
consumida lareira(dos olhos, e) de dor
(treva-névoa,)
parte.
queda-rompida. em.
espaço
(tarde)


ou.palco,


em
algo. 
em
lado que re-parte
à mente
que te vê um pouco(e) mais
e


imagem, tua, última, e.
sendo
à letra morta (e)que te jaz.








(aqui.)


























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(Alex Moraes)

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

**************

a paixão distrai
o amor destrói

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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POEMA A OLHO NU

teu olho nu
ilude o poema

(iludes as palavras
:estrelas presas
na lente do telescópio
que não tens)

navegas
por turbulentos mares
de vírgulas
exclamações te ufanam
interrogações te protegem
como um exército
armado de dúvidas brancas

que importa
a hora
no relógio
do antigo mosteiro
se dentro
deste teu olho nu
o tempo deixou
de existir?

(que importa o tempo?)

a sarjeta descobre-te
a sarjeta deseja-te

melhor assim
:olho por olho
elas por elas

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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terça-feira, 18 de janeiro de 2011

ELEGIA PARA UM CERTO JÚLIO SARAIVA

aspiro o pó branco dos meus dias
organizo a festa para depois de amanhã
num baile de máscaras dancei com a morte
a lua cheia me salvou
minha loucura meu bem é quase santa
por isso estou sempre rezando
tenho palavras de missa na ponta da língua
enquanto deus dorme estou rezando

aspiro o pó branco dos meus dias
sou o meu pior inimigo
firo-me todos os dias com o punhal que trago nos olhos
depois vou dormir tranquilo
certo do dever cumprido

aspiro o pó branco dos meus dias
o poeta que fui aos 20 anos morreu
numa noite de mil novecentos e qualquer coisa
envenenado de soneto
nos braços de uma mulher que nunca existiu

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

MAIS UM TRAGO


Sentei no bar,
Bebendo o dia
Sem sabedoria.

Todas as segundas
São feitas de nada.
O recomeço insensível
Da utopia.
O vazio do copo cheio
De solução.

Bebi,
Brindei
Comigo mesma
O fracasso.

O passo infame
Para dentro da garrafa.
A agonia que não passa pelo
Gargalo e engasga na
Garganta seca de amor,
De coisas que esqueço
Naturalmente por desuso
E falta de emoção.

Toda segunda-feira
É um estrondo no ouvido,
Uma bomba implodindo.
Estilhaço num riso sem amanhã.
Escrevo algo no guardanapo.
Tomo mais um trago.

Quem vai pagar a conta
Dessa dor?

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Karla Bardanza
Rio de Janeiro, Brasil
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CRIME PERFEITO

Para Sônia

tua boneca de
louça
foi morta por
estrangulamento
no porão da casa
velha

- lembras-te?

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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domingo, 16 de janeiro de 2011

CONSTATAÇÃO EM PRETO & BRANCO

a chuva
apagou nosso último
retrato

os outros
já tinham sido destruídos
antes mesmo de nos
conhecermos

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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sábado, 15 de janeiro de 2011

VINTE ANOS DEPOIS...

vinte anos depois da minha morte
quando o pó do meu pó
já estiver desfeito
e ninguém pronunciar meu nome
uma criança que nunca soube da minha
existência se lembrará de mim

mas a lembrança será breve
como o sorriso breve
nos lábios de uma criança
que logo se cansou do brinquedo
e sendo assim logo ela esquecerá
que se lembrou de mim

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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ANA BOTAFOGO

pernas param no ar
como delicado par de asas
gestos constroem azuis a cada
movimento do corpo leve
fino cristal
onde tudo é voo     graça     encantamento
os passos de ana botafogo desenham
arcos no infinito
como se desenhassem o mundo
com as pontas dos pés

o tempo esqueceu de passar
para aplaudir a bailarina

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

PEQUENO TRATADO DE COMÉRCIO

Trocam o santo e a senha
cortesias e louvores
sobretudo o que mantenha
o comércio de favores

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Domingos da Mota,
Vila Nova de Gaia, Portugal
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AUTO-ESTIMA

Para Ricardo Soares, meu amigo - consagro

"Minha filosofia traz o pensamento vitorioso com o qual
toda outra maneira de pensar acabará por sucumbir."

- Nietzsche, O Eterno Retorno -


o poeta só fabrica o céu porque
conhece o inferno mais do que
a palma da própria mão

o poema é pomba mas pode
tornar-se bomba e explodir de
repente   isso só depende da
maneira como a flor for tratada

transformar ouro em merda não
deixa de ser uma arte preciosa
assim como imaginar o arcanjo gabriel
trepando com a virgem maria no
momento da anunciação

felizmente não tenho ninguém a rezar por mim
esqueci meu credo em velhos confessionários
o poeta jamais será um pecador
:não comete pecado quem peca contra
si próprio sem no entanto trair-se

a poesia absolve o poeta da mesma
forma que o condena e mata para
torná-lo à vida no colo de uma mulher
puta ou santa pouco importa

o poeta dorme acordado para a morte
e quando pensar que escreveu seu último
poema terá concluído apenas o rascunho
do que foi sua vida sem saber que
o poema em doses lentas de palavras
já o havia destruído no exato
dia em que pensou compor seu primeiro verso

se assim não falou zaratustra
não falou porque não quis   mas
assim falei eu e está dito e falado com
o enxofre das minhas palavras

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

O POETA É AQUELE BICHO...

o poeta é aquele bicho perdido
de si próprio sobrevive acuado
peca pois já nasceu arrependido
do pecado sem conhecer pecado

por tanto amar acaba desamado
e o pranto que lhe cai vem encardido
porque sempre o apanham desarmado
o que lhe torna a vida sem sentido

ao despencar nos braços da poesia
prática que requer isolamento
vira criança sem discernimento

manda a escanteio toda teoria
e põe-se a mastigar seu excremento
como se fosse a mais fina iguaria

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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terça-feira, 11 de janeiro de 2011

OLHANDO PARA O PRÓPRIO UMBIGO

Desanimada,
Desapontada,
Olhando pro umbigo,
Esparramada no self.

Contando as ovelhinhas
Minhas de cada dia.

Lambendo o ego
Nego o eu,
E se sou eu aqui,
Quem colocou
Isso
Dentro
Isso
O corpo contra o corpo,
A pele arreganhada,
O nada tem gosto,
(Eu) gosto
Do beijo
Pensado durante
A música da Siouxsie.
Podia ser
Podia ter
Um orgasmo agorinha
Com você
É oceano
E (des)espero.

Desapontada,
Inesperada,
Todos os adjetivos
Terminados em ada
E mais nada
E mais nada
E quase tudo
É mais
Um absurdo.

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Karla Bardanza
Rio de Janeiro, Brasil
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CHÃO SEM FUNDO

Nada muda
Nada
A porta absurda
Trancada está
E nem fechadura
Tem.

Abro a janela
E estou emparedada.
Tijolos ao redor
E nada mais.

Se estou só?
Ouço apenas
A minha voz:
Eco sem vibração.

Comida fria,
Apenas água na geladeira
E essa dor e essa febre
Ardendo tanto a minha
Língua, íngua.
Não consigo me mover.

Pelo lado de dentro
Te reflito: aflito espelho
Que não me olha nos
Olhos.

A gaveta aberta
Está atulhada de você,
De palavras que morrem
E nunca morreram,
De desespero,
De vontades,
De tudo
Que
Cai
De
Mim
Quando
Não consigo
Fechar os braços
E te segurar
Dentro do meu corpo.

Afundo no
Sofá rasgado,
Nas almofadas
Sem cor, na casa
Sem paz.
Afundo no chão
Sem fundo,
Afundo
No amor.


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Karla Bardanza
Rio de Janeiro, Brasil
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NA MORTE DA MINHA MÃE

"Fosse eu Rei do Mundo,
Baixava uma lei:
Mãe não morre nunca, mãe ficará sempre
junto de seu filho e ele, velho embora, será pequenino
feito grão de milho."

- Carlos Drummond de Andrade -


não agonizavas - dormias
dormias profundo como gostavas
segurei tua mão
num gesto inútil tentei abrir teus olhos
ainda respiravas
no entanto dormias
chamei teu nome
não me escutavas
eu que nunca cri pedi tanto que um anjo
surgisse à minha frente
em lugar do anjo apareceu um rapaz de branco
bateu de leve no meu ombro
e disse que era questão de horas
poucas horas...
(e se eu parasse todos os relógios do mundo?)
desci para fumar um cigarro
repeti comigo
:questão de horas
poucas horas...
não derramei uma só lágrima
porque os patifes não choram
no bar em frente ao hospital
pedi uma bebida forte
coisa que a mãe não gostava
gosto que me persegue desde a mocidade
:questão de horas
poucas horas...
tomei a bebida num gole só
lembrei coisas da minha infância tão longe
de repente eu era menino de novo
ruivo e sardento
malcriado briguento
as expulsões dos colégios
a invasão à clausura dos monges
:questão de horas
poucas horas...
voltei-me homem outra vez
olhei a rua
a pressa dos carros e das gentes a pé
e aquele rosto de cera dentro dos meus olhos
e aqueles olhos que em vão tentei abrir
não derramei uma só lágrima
porque os patifes não choram
quando tornei à sala
já não era mais questão de horas
implorei novamente um anjo
mas o anjo não veio
naquela hora eu queria ser gente
e não o menino ruivo e sardento
agora para sempre desamparado

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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Madrugada de 11-01-2011,
primeiro aniversário da mor-
te da minha mãe.

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